OLÁ, ALUNOS DA 8V1 E 8V2!
A partir dessa unidade iniciaremos de fato o
trabalho com o Projeto “UM GRANDE
ENCONTRO: O MEIO AMBIENTE E A CONSTRUÇÃO DO LEITOR“ da nossa escola através
do estudo literário do livro VIDAS SECAS, de Graciliano Ramos.
Antes de efetuarmos a leitura do livro,
faz-se necessário conhecermos um pouco da vida de seu autor, bem como o momento
histórico vivenciado pelo mesmo na época em que
escreveu esse clássico da literatura brasileira. Além disso, farei uma
breve apresentação dos personagens para vocês conhecerem um pouco do universo
de cada um e, assim, entender melhor a obra que irá estudar.
Em um segundo momento, em sala de aula,
discutiremos o texto a seguir, por isso é importante que vocês realizem
frequentemente as leitoras postadas no blog da escola. Logo a seguir, coloquei
a disposição de vocês o Capítulo I referente ao livro Vidas Secas, com o
propósito de discutirmos em sala de aula e fazermos uma atividade avaliativa
sobre o conteúdo do mesmo. A data dessa avaliação irei combinar com vocês na
próxima aula.
Espero que, para o sucesso do nosso
trabalho, vocês estejam atentos às postagens feitas por mim nesse blog, como
também desejo que participem ativamente das atividades propostas. Tenho certeza
que vocês irão apreciar essa rica obra. Boa leitura!
Um abraço afetuoso,
Pró Welba
Graciliano Ramos
Graciliano Ramos
(1892-1953) nasceu em Quebrângulo, Alagoas. Filho
de um casal sertanejo de classe média, Sebastião Ramos de Oliveira e Maria
Amélia Ferro Ramos, era o primogênito de 15 irmãos. Estudou em Maceió, mas não
cursou nenhuma faculdade. Após breve estada no Rio de Janeiro como revisor dos
jornais "Correio da Manhã e A Tarde", passou a fazer jornalismo e
política elegendo-se prefeito em 1927.
Foi preso em 1936 sob acusação de comunista e nesta
fase escreveu "Memórias do Cárcere", um sério depoimento sobre a
realidade brasileira. Depois do cárcere morou no Rio de Janeiro. Em 1945,
integrou-se no Partido Comunista Brasileiro.
Graciliano estreou em 1933 com "Caetés", mas é São Bernardo, verdadeira obra prima
da literatura brasileira. Depois vieram "Angústia" (1936) e Vidas
Secas (1938) inspirando-se em Machado de Assis.
Modernismo - Segunda Fase
Introdução
"Os
camaradas não disseram que havia uma guerra
e era necessário
trazer fogo e alimento."
(Carlos Drummond de Andrade)
e era necessário
trazer fogo e alimento."
(Carlos Drummond de Andrade)
Recebendo
como herança todas as conquistas da geração de 1922, a segunda fase do
Modernismo brasileiro se estende de 1930 a 1945.
Período
extremamente rico tanto em termos de produção poética quanto de prosa, reflete
um conturbado momento histórico: no plano internacional, vive-se a depressão
econômica, o avanço do nazifascismo e a II Guerra Mundial; no plano interno,
Getúlio Vargas ascende ao poder e se consolida como ditador, no Estado Novo.
Assim, a par das pesquisas estéticas, o universo temático se amplia,
incorporando preocupações relativas ao destino dos homens e ao
"estar-no-mundo".
Em 1945,
ano do fim da guerra, das explosões atômicas, da criação da ONU e, no plano
nacional, da derrubada de Getúlio Vargas, abre-se um novo período na história
literária do Brasil.
Momento histórico
O período
que vai de 1930 a 1945 talvez tenha testemunhado as maiores transformações
ocorridas neste século. A década de 1930 começa sob o forte impacto da crise
iniciada com a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, seguida pelo colapso
do sistema financeiro internacional: é a Grande Depressão, caracterizada
por paralisações de fábricas, rupturas nas relações comerciais, falências
bancárias, altíssimo índice de desemprego, fome e miséria generalizadas. Assim,
cada país procura solucionar internamente a crise, mediante a intervenção do
Estado na organização econômica. Ao mesmo tempo, a depressão leva ao
agravamento das questões sociais e ao avanço dos partidos socialistas e
comunistas, provocando choques ideológicos, principalmente com as burguesias
nacionais, que passam a defender um Estado autoritário, pautado por um
nacionalismo conservador, por um militarismo crescente por uma postura anticomunista e antiparlamentar
- ou seja, um Estado fascista. É o que ocorre na Itália de Mussolini, na
Alemanha de Hitler, na Espanha de Franco e no Portugal de Salazar.
No Brasil,
1930 marca o ponto máximo do processo revolucionário estudado nos dois capítulos
anteriores, ou seja, é o fim da República Velha, do domínio das velhas
oligarquias ligadas ao café e o início do longo período em que Vargas
permaneceu no poder.
Getúlio Vargas, auxiliado pelos integralistas,
inicia sua ditadura em 10 de novembro de 1937. O chamado Estado Novo será um
longo período antidemocrático, anticomunista, baseado num nacionalismo
conservador e na idolatria de um chefe único: Getúlio Vargas. Essa situação se prolongará
até 29 de outubro de 1945, quando, pressionado, Getúlio renuncia.
Os
romancistas de 30 caracterizavam-se por adotarem visão crítica das relações
sociais, regionalismo ressaltando o homem hostilizado pelo ambiente, pela
terra, cidade, o homem devorado pelos problemas que o meio lhe impõe.
Hebert Arns
Hebert Arns
Personagens livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos
Baleia - cadela da família, tratado como gente, muito
querido pelas crianças.
Sinhá Vitória - mulher de Fabiano, sofrida,
mãe de 2 filhos, lutadora e inconformada com a miséria em que vivem, trabalha
muito na vida. Possui nível intelectual um pouco superior ao do marido que a
admira por isto.
Fabiano - o chefe da família, homem rude e quase incapaz de expressar seu pensamento com palavras; nordestino pobre, ignorante que desesperadamente procura trabalho, bebe muito e perde dinheiro no jogo.
Filhos - crianças pobres sofridas e que não tem noção da própria miséria que vivem.
O menino mais novo, quer realizar algo notável para ser igual ao pai e despertar a admiração do irmão e da Baleia, a cadela; O menino mais velho, sente curiosidade pela palavra "inferno" e procura se esclarecer com a mãe, já que o pai é incapaz;
Patrão - contratou Fabiano para trabalhar em sua fazenda, era desonesto e explorava os empregados.
Tomás da Bolandeira - dono da fazenda, onde a família se abrigou durante uma tempestade, e homem poderoso da região que impõe sua vontade.
Outros personagens: o soldado, seu Inácio (dono do bar).
Representando a sociedade local, na história, estão o soldado amarelo, corrupto e arbitrário, impõe-se ao indefeso Fabiano que o respeita por ser representante do governo.
Fabiano - o chefe da família, homem rude e quase incapaz de expressar seu pensamento com palavras; nordestino pobre, ignorante que desesperadamente procura trabalho, bebe muito e perde dinheiro no jogo.
Filhos - crianças pobres sofridas e que não tem noção da própria miséria que vivem.
O menino mais novo, quer realizar algo notável para ser igual ao pai e despertar a admiração do irmão e da Baleia, a cadela; O menino mais velho, sente curiosidade pela palavra "inferno" e procura se esclarecer com a mãe, já que o pai é incapaz;
Patrão - contratou Fabiano para trabalhar em sua fazenda, era desonesto e explorava os empregados.
Tomás da Bolandeira - dono da fazenda, onde a família se abrigou durante uma tempestade, e homem poderoso da região que impõe sua vontade.
Outros personagens: o soldado, seu Inácio (dono do bar).
Representando a sociedade local, na história, estão o soldado amarelo, corrupto e arbitrário, impõe-se ao indefeso Fabiano que o respeita por ser representante do governo.
Obs.: A
cadela, Baleia, e o papagaio completam o grupo de retirantes, na história.
Agora
segue o primeiro
capítulo do livro VIDAS SECAS:
Capítulo I -
Mudança
Na planície avermelhada os juazeiros
alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro,
estavam cansados e famintos. Ordinariamente andavam pouco, mas como haviam
repousado bastante na areia do rio seco, a viagem progredira bem três léguas.
Fazia horas que procuravam uma sombra. A folhagem dos juazeiros apareceu longe,
através dos galhos pelados da catinga rala.
Arrastaram-se para lá, devagar, Sinhá
Vitória com o filho mais novo escanchado no quarto e o baú de folha na cabeça,
Fabiano sombrio, cambaio, o aió a tiracolo, a cuia pendurada numa correia presa
ao cinturão, a espingarda de pederneira no ombro. O menino mais velho e a
cachorra Baleia iam atrás. Os juazeiros aproximaram-se, recuaram, sumiram-se. O
menino mais velho pôs-se a chorar, sentou-se no chão.
- Anda, condenado do diabo, gritou-lhe o
pai. Não obtendo resultado, fustigou-o com a bainha da faca de ponta. Mas o
pequeno esperneou acuado, depois sossegou, deitou-se, fechou os olhos. Fabiano
ainda lhe deu algumas pancadas e esperou que ele se levantasse. Como isto não
acontecesse, espiou os quatro cantos, zangado, praguejando baixo.
A catinga estendia-se, de um vermelho
indeciso salpicado de manchas brancas que eram ossadas.
O voo negro dos urubus fazia círculos
altos em redor de bichos moribundos.
- Anda, excomungado.
O pirralho não se mexeu, e Fabiano desejou
matá-lo. Tinha o coração grosso, queria responsabilizar alguém pela sua
desgraça. A seca aparecia-lhe como um fato necessário - e a obstinação da
criança irritava-o. Certamente esse obstáculo miúdo não era culpado, mas
dificultava a marcha, e o vaqueiro precisava chegar, não sabia onde.
Tinham deixado os caminhos, cheios de
espinho e seixos, fazia horas que pisavam a margem do rio, a lama seca e
rachada que escaldava os pés.
Pelo espírito atribulado do sertanejo
passou a ideia de abandonar o filho naquele descampado. Pensou nos urubus, nas
ossadas, coçou a barba ruiva e suja, irresoluto, examinou os arredores. Sinhá
Vitória estirou o beiço indicando vagamente uma direção e afirmou com alguns
sons guturais que estavam perto. Fabiano meteu a faca na bainha, guardou-a no
cinturão, acocorou-se, pegou no pulso do menino, que se encolhia, os joelhos
encostados no estômago, frio como um defunto. Aí a cólera desapareceu e Fabiano
teve pena. Impossível abandonar o anjinho aos bichos do mato. Entregou a
espingarda a Sinhá Vitória, pôs o filho no cangote, levantou-se, agarrou os
bracinhos que lhe caíam sobre o peito, moles, finos como cambitos. Sinhá
Vitória aprovou esse arranjo, lançou de novo a interjeição gutural, designou os
juazeiros invisíveis.
E a viagem prosseguiu, mais lenta, mais
arrastada, num silencio grande.
Ausente do companheiro, a cachorra Baleia
tomou a frente do grupo. Arqueada, as costelas à mostra, corria ofegando, a
língua fora da boca. E de quando em quando se detinha, esperando as pessoas,
que se retardavam. Ainda na
véspera eram seis viventes, contando com o papagaio. Coitado, morrera na areia
do rio, onde haviam descansado, a beira de uma poça: a fome apertara demais os
retirantes e por ali não existia sinal de comida. Baleia jantara os pés, a
cabeça, os ossos do amigo, e não guardava lembrança disto. Agora, enquanto
parava, dirigia as pupilas brilhantes aos objetos familiares, estranhava não
ver sobre o baú de folha a gaiola pequena onde a ave se equilibrava mal.
Fabiano também às vezes sentia falta dela, mas logo a recordação chegava. Tinha
andado a procurar raízes, à toa: o resto da farinha acabara, não se ouvia um
berro de rês perdida na catinga. Sinhá Vitória, queimando o assento no chão, as
mãos cruzadas segurando os joelhos ossudos, pensava em acontecimentos antigos
que não se relacionavam: festas de casamento, vaquejadas, novenas, tudo numa confusão.
Despertara-a um grito áspero, vira de perto a realidade e o papagaio, que
andava furioso, com os pés apalhetados, numa atitude ridícula. Resolvera de
supetão aproveitá-lo como alimento e justificara-se declarando a si mesma que
ele era mudo e inútil. Não podia deixar de ser mudo. Ordinariamente a família
falava pouco. E depois daquele desastre viviam todos calados, raramente
soltavam palavras curtas. O louro aboiava, tangendo um gado inexistente, e
latia arremedando a cachorra.
As manchas dos juazeiros tornaram a
aparecer, Fabiano aligeirou o passo, esqueceu a fome, a canseira e os
ferimentos. As alpercatas dele estavam gastas nos saltos, e a embira tinha-lhe
aberto entre os dedos rachaduras muito dolorosas. Os calcanhares, duros como
cascos, gretavam-se e sangravam.
Num cotovelo do caminho avistou um canto de
cerca, encheu-o a esperança de achar comida, sentiu desejo de cantar. A voz
saiu-lhe rouca, medonha. Calou-se para não estragar força.
Deixaram a margem do rio, acompanharam a cerca,
subiram uma ladeira, chegaram aos juazeiros. Fazia tempo que não viam sombra.
Sinhá Vitória acomodou os filhos, que arriaram como trouxas, cobriu-os com
molambos. O menino mais velho, passada a vertigem que o derrubara, encolhido
sobre folhas secas, a cabeça encostada a uma raiz, adormecia, acordava. E
quando abria os olhos, distinguia vagamente um monte próximo, algumas pedras,
um carro de bois. A cachorra Baleia foi enroscar-se junto dele.
Estavam no pátio de uma fazenda sem vida O
curral deserto, o chiqueiro das cabras arruinado e também deserto, a casa do
vaqueiro fechada, tudo anunciava abandono. Certamente o gado se finara e os
moradores tinham fugido.
Fabiano procurou em vão perceber um toque
de chocalho. Avizinhou-se da casa, bateu, tentou forçar a porta. Encontrando
resistência, penetrou num cercadinho cheio de plantas mortas, rodeou a tapera,
alcançou o terreiro do fundo, viu um barreiro vazio, um bosque de catingueiras
murchas, um pé de turco e o prolongamento da cerca do curral. Trepou-se no
mourão do canto, examinou a catinga, onde avultavam as ossadas e o negrume dos
urubus. Desceu, empurrou a porta da cozinha. Voltou desanimado, ficou um
instante no copiar, fazendo tenção de hospedar ali a família. Mas chegando aos
juazeiros, encontrou os meninos adormecidos e não quis acordá-los. Foi apanhar
gravetos, trouxe do chiqueiro das cabras uma braçada de madeira meio roída pelo
cupim, arrancou touceiras de macambira, arrumou tudo para a fogueira.
Nesse ponto Baleia arrebitou as orelhas,
arregaçou as ventas, sentiu cheiro de preás, farejou um minuto, localizou- os
no morro próximo e saiu correndo.
Fabiano seguiu-a com a vista e espantou-se
uma sombra passava por cima do monte. Tocou o braço da mulher, apontou o céu,
ficaram os dois algum tempo aguentando a claridade do sol. Enxugaram as
lágrimas, foram agachar-se perto dos filhos, suspirando, conservaram-se
encolhidos, temendo que a nuvem se tivesse desfeito, vencida pelo azul
terrível, aquele azul que deslumbrava e endoidecia a gente. Entrava dia e saía
dia. As noites cobriam a terra de chofre. A tampa anilada baixava, escurecia,
quebrada apenas pelas vermelhidões do poente.
Miudinhos, perdidos no deserto queimado, os
fugitivos agarraram-se, somaram as suas desgraças e os seus pavores. O coração
de Fabiano bateu junto do coração de Sinhá Vitória, um abraço cansado aproximou
os farrapos que os cobriam. Resistiram a fraqueza, afastaram-se envergonhados,
sem ânimo de afrontar de novo a luz dura, receosos de perder a esperança que os
alentava.
Iam-se amodorrando e foram despertados por
Baleia, que trazia nos dentes um preá. Levantaram-se todos gritando. O menino
mais velho esfregou as pálpebras, afastando pedaços de sonho. Sinhá Vitória
beijava o focinho de Baleia, e como o focinho estava ensanguentado, lambia o
sangue e tirava proveito do beijo.
Aquilo era caça bem mesquinha, mas adiaria a
morte do grupo. E Fabiano queria viver. Olhou o céu com resolução. A nuvem
tinha crescido, agora cobria o morro inteiro. Fabiano pisou com segurança,
esquecendo as rachaduras' que lhe estragavam os dedos e os calcanhares.
Sinhá Vitória remexeu no baú, os meninos
foram quebrar uma haste de alecrim para fazer um espeto. Baleia, o ouvido
atento, o traseiro em repouso e as pernas da frente erguidas, vigiava,
aguardando a parte que lhe iria tocar, provavelmente os ossos do bicho e talvez
o couro.
Fabiano tomou a cuia, desceu a ladeira,
encaminhou-se ao rio seco, achou no bebedouro dos animais um pouco de lama.
Cavou a areia com as unhas, esperou que a água marejasse e, debruçando-se no
chão, bebeu muito. Saciado, caiu de papo para cima, olhando as estrelas, que
vinham nascendo. Uma, duas, três, quatro, havia muitas estrelas, havia mais de
cinco estrelas no céu. O poente cobria-se de cirros - e uma alegria doida
enchia o coração de Fabiano. Pensou na família, sentiu fome. Caminhando,
movia-se como uma coisa, para bem dizer não se diferençava muito da bolandeira
de seu Tomás. Agora, deitado, apertava a barriga e batia os dentes. Que fim
teria levado a bolandeira de seu Tomás?
Olhou o céu de novo. Os cirros
acumulavam-se, a lua surgiu, grande e branca. Certamente ia chover.
Seu Tomás fugira também, com a seca, a
bolandeira estava parada. E ele, Fabiano, era como a bolandeira. Não sabia
porquê, mas era. Uma, duas, três, havia mais de cinco estrelas no céu. A lua
estava cercada de um halo cor de leite. Ia chover. Bem. A catinga
ressuscitaria, a semente do gado voltaria ao curral, ele, Fabiano, seria o
vaqueiro daquela fazenda morta. Chocalhos de badalos de ossos animariam a .
solidão. Os meninos, gordos, vermelhos, brincariam no chiqueiro das cabras,
Sinhá Vitória vestiria saias de ramagens vistosas. As vacas povoariam o curral.
E a catinga ficaria toda verde.
Lembrou-se dos filhos, da mulher e da
cachorra, que estavam lá em cima, debaixo de um juazeiro, com sede. Lembrou-se
do preá morto. Encheu a cuia, ergueu-se, afastou-se, lento, para não derramar a
água salobra. Subiu a ladeira. A aragem morna acudia os xiquexiques e os mandacarus.
Uma palpitação nova. Sentiu um arrepio na catinga, uma ressurreição de
garranchos e folhas secas.
Chegou. Pôs a cuia no chão, escorou-a com
pedras, matou a sede da família. Em seguida acocorou-se, remexeu o aió, tirou o
fuzil, acendeu as raízes de macambira, soprou-as, inchando as bochechas
cavadas. Uma labareda tremeu, elevou-se, tingiu- lhe o rosto queimado, a barba
ruiva, os olhos azuis. Minutos depois o preá torcia-se e chiava no espeto de
alecrim.
Eram todos felizes. Sinhá Vitória vestiria
uma saia larga de ramagens. A cara murcha de sinhá Vitória remoçaria, as
nádegas bambas de Sinhá Vitória engrossariam, a roupa encarnada de Sinhá
Vitória provocaria a inveja das outras caboclas.
A lua crescia, a sombra leitosa crescia, as
estrelas foram esmorecendo naquela brancura que enchia a noite. Uma, duas,
três, agora havia poucas estrelas no céu. Ali perto a nuvem escurecia o morro.
A fazenda renasceria - e ele, Fabiano,
seria o vaqueiro, para bem dizer seria dono daquele mundo.
Os troços minguados ajuntavam-se no chão: a
espingarda de pederneira, o aió, a cuia de água o baú de folha pintada. A
fogueira estalava. O preá chiava em cima das brasas.
Uma ressurreição. As cores da saúde
voltariam a cara triste de Sinhá Vitória. Os meninos se espojariam na terra
fofa do chiqueiro das cabras. Chocalhos tilintariam pelos arredores. A catinga
ficaria verde. Baleia agitava o rabo, olhando as brasas. E como não podia
ocupar-se daquelas coisas, esperava com paciência a hora de mastigar os ossos.
Depois iria dormir.